— Muitos dos
símbolos cristãos — disse — são mais antigos. Alguns muito mais antigos do que
pensam os seus adoradores, como por exemplo o da Cruz, que em todas as
civilizações representou o Espírito crucificado na matéria, condenado a viver
nela, dando-lhe vida e nela desenvolvendo, como num campo experimental, toda a
sua potencialidade. A Cruz, nas suas diferentes modalidades – como tu já sabes
pelo estudo dos arquivos egípcios – deve ser tão antiga como o homem. A cruz em
movimento, ou bendita para a antiga Religião da Sabedoria, é património de
todas as nações e encontra-se em petróglifos de há dezenas de milhares de anos:
nos templos egípcios mais antigos, nos seus muros, na maior parte dos mosaicos
romanos, nas cerâmicas cretenses, etc. etc., indicando a presença de Deus.
É que é o
símbolo da Vontade Divina em Acção movendo a roda do tempo: da criação ou da destruição
das formas, segundo gire para a direita ou para a esquerda. Os povos germânicos
também se referem a ela como o martelo de Thor, o deus da Tempestade. A cruz
cristã é um cubo aberto num plano de duas dimensões e desta maneira era gravada
no peito dos Iniciados egípcios há milhares de anos. Em X, ao modo grego, é
símbolo da Alma do Mundo e é referida pelo Mestre da Academia no seu Timeu: é a
Luz Espiritual que se converte na Luz do Mundo, estilização, portanto, da dupla
pirâmide, a primeira invertida no céu gerando a segunda. E não é casualidade
que se tenha convertido na forma dos relógios de areia ou de água…
"— O X com o P é uma estilização do Machado de Duplo
Gume,
antiquíssimo símbolo do Poder que governa a natureza e as sociedades humanas"
antiquíssimo símbolo do Poder que governa a natureza e as sociedades humanas"
— Há outro —
disse Hipátia — que era um símbolo sacerdotal muito antigo de Deus na Natureza,
ou seja, outra vez o Logos Encarnado, origem, princípio e fim de tudo quanto
existe do qual se aproveitaram indevidamente os cristãos e agora dizem que é o
monograma de Cristo como «ungido». Não o Supremo Deus que irrompe no tempo, na
História, transformando-a e dividindo-a num antes absoluto de ignorância e num
depois também absoluto de salvação – o que é infantil pensar – mas sim o Fogo
Obscuro cuja chama é o tempo que tudo consome e a sua luz a vida de tudo o que
vive. Oh, como pode a infinitude no antes, no agora e no depois irromper num
determinado tempo? Esta é uma aberração lógica. E acreditar nisso é uma loucura
que está a justificar inúmeros crimes e infâmias.
— Referes-te
ao Cristograma, não Hipátia? — Perguntou o seu pai. — É, junto com os peixes e
o bom pastor, uma das representações mais sagradas da presença de Cristo. E é
certo, se pensamos em Cristo como a Luz e o Poder que sustêm o universo, mesmo
antes do mundo ter nascido. Evidentemente não é um símbolo exclusivo do seu
Salvador e era utilizado pelos sacerdotes romanos do Deus Jano-Quirino,
inclusive em práticas mágicas e de profecia. É um dos símbolos demasiado
sagrados para saírem dos Templos e, ainda assim, no final acabou por sair. Ao
vulgarizar-se, os cristãos tergiversaram a sua origem e apropriaram-se dele,
sabendo a devoção que suscita e a importância mágica que tem. Segundo o
conhecido princípio «se destróis ou fazes desaparecer o original, a cópia é o
novo original». Eles dizem que o X e o P (Ró grego) significam CRistos, o
«ungido»; mas o que estas letras geram é, na verdade, KRatos, que significa
«poder, império, soberania» pois é o símbolo do Espírito que governa a
Natureza. Na maior parte dos Cristogramas aparece inclusive o Alfa (A) e o
Ómega (W), como símbolo deste Logos Platónico que é Princípio e Fim de tudo, e
que é nomeado no Apocalipse de São João.
Forma, assim,
o anagrama sagrado ARKO que significa «ser o primeiro, guiar, mandar, ser
causa», daí o Arkhé ou a Causa Primeira dos Filósofos Pré-socráticos. Assim era
representado na religião mistérica romana, agora quase em ruínas, o Deus
JANUS-QUIRINO, a quem o poeta Ovídio chama «O Primeiro-Aquele-que-Vigiao- Amplo-Universo».
— O X com o P
é uma estilização do Machado de Duplo Gume — continuou a explicar Theon —
antiquíssimo símbolo do Poder que governa a natureza e as sociedades humanas,
símbolo dos antigos reis cretenses e até micénicos. Além disso forma os eixos
do quadrado base de uma pirâmide e a sua altura, o P, evoca o Neter ou hieróglifo
de Deus na língua egípcia. Os gimnosofistas utilizavam também este símbolo para
representar o seu Deus do Fogo, Agni, no qual o X são os dois lenhos e o P o
Fogo que se eleva até às Estrelas. Este Deus Agni é o Fogo que vivifica a
Natureza, o Espírito Primordial que nela se agita, prisioneiro. O Cristograma
também geometriza a Fénix surgindo renovada das suas cinzas, símbolo da alma
vitoriosa que atravessa os portais da vida e da morte.
"O Cristograma é portanto o símbolo do Logos ou
Palavra ou Razão que dá forma e harmoniza a natureza"
Theon
prosseguiu:
— Se o
examinarmos na chave numérica, o X é o número 600 e o P o 100 e assim
representa o Seis, a Natureza e o Duplo Triângulo (Fogo e Água), harmonizada e
movida desde o seu eixo, a Unidade. Como o A é a unidade e o W é o número 800,
se lemos este símbolo chamado Monograma de Cristo mas que na realidade é um Tetragrama,
pois são quatro letras, obtemos: AXRW (que se lê Acro) que é igual a 1618, ou
seja, a Divina Proporção. É o número que rege toda a Natureza, o grande segredo
dos antigos Iniciados e que agora foi vulgarizado. Nas civilizações com Escolas
de Mistérios, a arte baseia-se sempre neste Número. É a Proporção de Ouro. O
Cristograma é portanto o símbolo do Logos ou Palavra ou Razão que dá forma e
harmoniza a natureza, o crescimento dos cristais nas suas pétreas matrizes e
das estrelas no seio do espaço. A Luz Divina do Logos, representada pelo X, é
acompanhada pelo P que é o bastão de mando, velho símbolo dos Reis e Iniciados,
símbolo de «O Bom Pastor»; pelo A que desenha um compasso, portanto símbolo do
Arquitecto; e pelo W que, invertido, forma os arcos de uma ponte, e portanto, o
Pontífice (aquele que com a sua sabedoria e ritual estabelece uma Ponte entre
os Deuses e os Homens, entre o Céu e a Terra). É, portanto, a Luz do Logos acompanhada
pelo seu triplo poder: Vontade (Governo, que estabelece a Lei), Sabedoria
(Religião do Amor) e Inteligência (que traça as formas do Mundo).
— Um dos meus
discípulos — disse Hipátia — nasceu na cidade de Lucus Augusti, na província
romana da Galécia. Os seus pais, e ele próprio na adolescência, foram
discípulos do bispo Prisciliano até que este sábio, uma das almas mais puras e
inspiradas do nosso século, foi decapitado e os seus seguidores cristãos brutalmente
perseguidos e dizimados como hereges pelos cristãos triunfadores em Niceia. O
seu pai morreu defendendo aquilo em que acreditava mas a mãe, que tinha família
em Alexandria, veio com ele há três anos para esta cidade. Tanto ele como a mãe
são de uma pureza angelical e, ao mesmo tempo, de uma alegria de viver, sincera
e generosa, que é muito difícil de ver nestes tempos. Ela chegou a participar
como sacerdotisa nos rituais que efectuavam juntos, homens e mulheres, e a
dirigir os cânticos sagrados. Depois de assistir a vários dos meus discursos
confiou-me o seu filho como o mais precioso tesouro. A Sabedoria e instrução
esotérica de Prisciliano devia ser muito elevada pois ensinava-lhes, segundo
ela, que os Patriarcas da Bíblia são, na realidade, partes do céu e que
representam os signos do Zodíaco, cuja influência cristaliza, dizia, nas
diferentes partes do corpo. Para mim — clarificou a filósofa — é indubitável
que Prisciliano, pelo que narra esta mulher, era Iniciado nos Mistérios; um
místico destinado a enxertar no novo tronco da nova religião um ramo das
Escolas de Mistérios e iluminar com a sua sabedoria as novas crenças.
— Pois bem, o
seu filho — continuou a relatar Hipátia — comentou numa das aulas que os seus
sacerdotes faziam um género de consulta oracular na qual um Cristograma em
pedra, disposto sobre um trípode, servia de mesa ritual. O historiador Ammiano
Marcelino menciona estas mesas ainda que eu nunca as tenha visto. A mesa ritual
que descreve o historiador estava composta de uma liga de metais, possivelmente
uma liga alquímica de electrum – prata e ouro – ou, inclusive, a mais mágica de
todas, o electrum que combina os sete metais alquímicos; e no seu bordo estavam
gravadas as letras do alfabeto. Ammiano diz que o trípode era feito com troncos
de louro e que a consulta era feita numa câmara saturada de perfumes. Sobre a
mesa ou bandeja circular colocava-se um anel que o sacerdote, vestido de puro
linho branco, fazia mover por meio de uma rama de verbena que tinha na mão.
Quando o anel deixava de oscilar assinalava uma das letras da bandeja que respondia
assim, letra a letra, escrevendo uma mensagem ou, quiçá, usando o valor
simbólico ou numérico dessas letras. Em nenhum momento Ammiano refere qual era
o desenho mágico da mesa, mas o meu discípulo descreve o mesmo ritual numa mesa
com o símbolo do Cristograma, os diâmetros do X num ângulo recto dentro e um
círculo. Nesta faixa circular incluía todas as letras do alfabeto latino,
dispostas de forma a ler-se, sem separação entre as palavras:
X AURUM VILE TIBI EST ARCENTI PONDERA
CEDANT
O ouro é para
ti vil e a prata carece de peso
H (Uma Folha
de Hera)
PLUS EST QUOD PROPRIA FELICITA NITES
Mais
(importante) é que a tua própria felicidade brilhe
"Uma alusão à Crucificação do Logos, isto é, a Árvore
da Vida."
— Ensinamento
vital se queremos manter a sensatez e não ser escravo das paixões dos outros —
disse Theon.
— Mas ainda
voltando ao simbolismo do Cristograma, o que poucos comentam é que sendo
representação do Logos Espermático, isto é, da Razão que contém as sementes de
vida em todos os reinos – isto simbolizado no valor do Número de Ouro – os
Cristogramas mais antigos tinham as hastes da letra X muito abertas. O ângulo que
formam as hastes de alguns destes mais antigos é 23 graus, que é o ângulo que
formam o horizonte com a faixa zodiacal, devido ao ângulo de 23 graus que forma
o eixo da Terra com o seu movimento orbital em torno do Sol, tal como descreve
Aristarco de Samos e nós aprendemos nos Mistérios. Recordemos o que diz Platão
no Timeu desta figura, esta cruz que é a chave do Cristograma. Depois de
explicar como fez a Alma do Mundo com uma série aritmética e outra geométrica
entrelaçadas, formando intervalos musicais, diz: «Esta nova composição foi dividida por Deus em duas cortando-a no
sentido da longitude, cruzou estas duas partes pela metade de modo que formaram
um X, curvou-as depois em círculo, uniu as duas extremidades de cada uma entre
si e com as da outra no pólo oposto da intersecção e lhes aplicou um movimento
de rotação uniforme, mas sem deslocação. Fez de maneira que um destes círculos
fosse interno e o outro externo. Ao movimento do círculo exterior chamou-lhe
movimento da natureza do Mesmo e ao do círculo exterior movimento da natureza
do Outro». O próprio Jerónimo, uma das máximas autoridades eclesiásticas,
diz nos seus livros que a Cruz do Cristianismo é a mesma que a que Platão
descreve nesta passagem do Timeu, com o mesmo significado, e como uma alusão à
Crucificação do Logos, isto é, a Árvore da Vida.
— Claro —
disse Hipátia — um é o movimento da Terra e o seu horizonte e outro o movimento
da faixa zodiacal: um gera o dia e o outro o ano. Ainda que esta explicação
tenha significados mais ocultos relacionados com a Alma do Mundo e o seu duplo
movimento. O X é a relação do Uno ou o Mesmo com o Outro; a relação do homem
com a sua circunstância; do Espírito com a Matéria; do Pensamento com o
Sentimento. É o Deus que governa o Mundo quem imprime um movimento perpétuo a
todos os seres, desde o nascimento até à morte, continuamente, e tanto nas
sendas abertas da vida como nas ocultas da sabedoria…
José Carlos Fernández
Director
Nacional da Nova Acrópole
Excerto de
"Viagem Iniciática de Hipátia: na demanda da alma dos números" (Edições Nova Acrópole, 2010)
http://www.nova-acropole.pt/a_simbolismo_hermetico_cristograma.html
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